E ele respondeu que temos de ter vivacidade.
É bom ter 86 anos, é sinal de que cheguei cá. Sinto-me realizada, não fiquei com nenhum sonho por realizar. Mas tenho muitas saudades da mocidade, fui muito feliz quando era mais nova. Sabe, era mais simples, não precisava de dinheiro para estar bem. Onde arranjasse uma bicicleta, lá ia eu. Lembro-me de ter 12 anos e pegar numa bicicleta, às vezes nem sabia de quem era a bicicleta, mas levava e ia toda contente. Passava pelo posto da polícia e dizia «se alguém se queixar que lhe falta uma bicicleta, fui eu». Tempos fáceis. Chamavam-me a russa de mau pelo. Eu era muito loura e andava a cavalo, de bicicleta, era uma mulher livre, diferente. A verdade é que percebo, para a altura então, eu era aguerrida. Que ninguém se metesse comigo. O escritório onde trabalhava ficava mesmo ao pé da polícia. Um dia estava a passar por uns tropas que vinham a pé e começaram a gritar impropérios, a meter-se comigo. Aquilo irritou-me, abeirei-me e dei um chapadão ao que disse aquelas coisas. Tão grande que a boina da farda lhe caiu ao rio. Por isso é que eu digo, que ninguém se metesse comigo, pois eu metia-me de volta. Não sou pessoa de estar quieta, gosto muito de falar, de me rir. Depois de me reformar, fiz voluntariado no IPO durante 8 anos. Todos os dias levanta-me às seis da manhã e passava lá o dia. Agora já não, acaba por ser um trabalho pesado, já não aguento, mas tenho saudades. Adorava aquilo. Quando entrava nas salas para dar o lanche aos doentes eles diziam «olha, lá vem a nossa alegria». Ainda faço voluntariado, na Liga, continuo a fazer, claro, estar quieta é que não quero. Mas planos de futuro propriamente não tenho. Quero apenas que Deus me dê saúde e paz. Quero sobretudo que a minha bisneta de dois anos cresça saudável e feliz. Se lhe pudesse dar um conselho dir-lhe-ia que tem de trabalhar para ser feliz, e principalmente para ser independente, espero que não seja dependente de ninguém. Se calhar é isso que é ser ruça de mau pelo. Feliz e independente.
