E ele respondeu nunca é tarde para receber flores pela primeira vez.
A coisa mais fantástica que vivi foi começar a viajar com o meu neto. Sabe, tenho um neto de coração, nunca casei ou tive filhos, aliás, acho que é esse o segredo da longevidade: não ter homem, não ter filhos e beber um copo de um bom vinho todos os dias. Foi o que fiz. Calhou-me a sorte de me tocar à porta o neto, filho de filhos que nunca fiz. A história começa com a biblioteca que herdei do meu avô, pelos anos de 1900 era a segunda biblioteca dos Açores. Quando chegou às minhas mãos já vinha muito partida, mas tinha vários livros de guerra, raros e especiais. Não sabia o que lhes fazer quando me sugeriram que contactasse o Museu Militar dos Açores. Foi por isso, pelos livros, que ele me tocou à porta. Sabia lá eu que quase com 90 anos me ia aparecer família à porta. Deixei-o entrar, e conversámos muito. Na altura ele estava a tirar o doutoramento na Universidade dos Açores, e como a biblioteca fechava cedo e aos fins de semana, ele vinha para minha casa estudar. Foi assim que foi aparecendo e aparecendo até que um dia me perguntou se me podia chamar avó. Foi o primeiro homem da minha vida a oferecer-me flores. Uma pessoa nunca sabe o que a espera. Alguma vez alguém imaginava que em 1974 ia ver o Concorde levantar voo, sentir nas pernas as pedras que se levantavam com os motores mais potentes que já se ouviram, e em 2016 ia abrir a porta a um neto? Vivi toda a vida na ilha. Porque havia de sair? Quando era nova fui aos Estados Unidos, e lembro-me me de me dizerem para lá ficar, que lá é que se ganhava dinheiro. Mas olhei e pensei porque quero eu vir se tenho tudo em S. Miguel? Não preciso de ganhar mais dinheiro. Tenho casa, tenho carro, tenho emprego – trabalhei nos CTT 37 anos – porque quereria eu sair dos Açores? Não saí. E não me arrependo, as coisas vieram ter comigo. Ainda tenho eletrodomésticos que trouxe da América dessa viagem, acredita? O futuro é o que tiver de ser, mas tenho muito que fazer: a minha arte. Sou artesã, e tenho muito que trabalhar ainda. Estanho, tecelagem, patchwork. Só tenho de fazer o possível para continuar com a cabeça direita. Na verdade, o meu maior medo é não ter tempo de acabar estes projetos que tenho em mente.
