E ele respondeu que temos de nos adaptar às cartas que a vida nos dá.
Há muitas coisas que gosto de fazer: ler, fazer palavras cruzadas, ver televisão, ver filmes, passear. Gosto muito de animais. Agora só tenho uma gatinha, os meus cães já morreram, os meus passarinhos também. Agora nesta idade fico-me pela gatinha, o gato é um animal muito independente, está bem para esta fase da minha vida, porque não exige muito de mim e faz-me muita companhia. Comecei por trabalhar como dactilógrafa num laboratório de análises clínicas, mas depois aborreci-me com aquela profissão e sonhei em ser enfermeira. Então foi exatamente isso que fiz: tirei o curso e fui enfermeira durante 27 anos. Comecei por trabalhar nos quartos particulares do hospital velho, depois precisavam de gente na diálise e fui transferida. Sabe, ninguém queria ir para lá, é um serviço muito delicado. Estive lá muitos anos, mas acabei por não aguentar. Era muito pesado. Fiz o curso de obstetrícia e fui para a maternidade, onde estive até me aposentar. É o oposto, é um serviço muito mais feliz. Vi muitos bebés desta cidade, tantos. Ainda há dias me passou pelas mãos a fotografia do filhinho da minha cabeleireira. Filhinho que agora já deve ter 19 anos, o tempo passa, mas foi muito giro fazer parte dessas vidas todas que começaram naquela casa. Arrependimentos toda a gente tem, então, acho que é normal, mas acho sinceramente que concretizei os meus sonhos todos. O mais importante foi a minha profissão, gostava muito do que fazia, tenho muitas saudades. Claro que agora já não tinha forças para ser enfermeira, não conseguia fazer turnos, não é? Mas a verdade é que tenho saudades, dos meus colegas, dos médicos, bem, até dos doentes. Uma vez tive um doente muito novo que fazia diálise e era da Madeira, era muito simpático. Passados uns tempos, o rapaz e a família convidaram-me para visitar na Madeira. Fui e foi muito giro. Quando era nova, fui submetida a uma cirurgia que me deixou sequelas e possivelmente foi isso que nunca me deixou ter bebés. Adorava crianças, tive a minha casa sempre cheia de miúdos, claro que me custou não ter filhos. Mas tentei não guardar mágoa, adaptei-me. E acho que consegui, houve muita vida para lá disso, houve outras pessoas muito especiais, o meu trabalho, as minhas viagens. Foi uma boa vida, a verdade é que não tenho arrependimentos.
