Marília, 85 anos

Marília

85 anos

E ele respondeu que de todas as aulas que dei, a da vida foi a melhor.

Esta é a minha primeira sessão fotográfica, mas nunca é tarde para começar, não é? Comecei a trabalhar em 1960 como professora primária e reformei-me 31 anos depois. Tenho recordações muito boas dos meus tempos de trabalho e dos meus alunos, mas eles se calhar não têm todos boas recordações minhas: fui sempre muito exigente. Era exigente com os meus e com a escola toda, não era pedir por pedir, era pedir para ensinarmos mais e melhor. Às vezes ainda encontro alunos que se lembram e gostavam muito de como eu dava aulas, acho que é um bom sinal. Meses depois de me reformar voltei à minha escola. Ia a subir as escadas e uma miúda, que não sei quem era e de quem era aluna, correu para mim e abraçou-me e disse «Aí, Marília, fazes cá tanta falta». Senti que tinha feito um bom trabalho. Hoje acho que já não era capaz de ser professora. Do que me contam do agora, há tanta má-educação, cada coisa. Não era capaz, não queria. Não tem sido fácil perder a independência. Vivia sozinha, fazia comida para mim e para o meu filho, estava bem. A dois dias de fazer 85 anos senti-me mal, fiquei doente, estive internada, tive complicações várias e perdi a vida que tinha. Agora custa-me aceitar este novo normal, deixei de sair à rua, deixei de ir às compras. Não gosto de envelhecer se é isto. O futuro é ter esperança, é tentar manter a cabeça no lugar para ficar melhor. Tive um bom marido, de quem tenho muitas saudades, um filho e uma filha que nunca me deram problemas, só me trouxeram felicidade, quatro netos muitos amigos dos avós que me enchem de orgulho. Estou realizada. É verdade que gostava de ter mais independência nesta altura. Tenho 130 vasos de flores em minha casa e custa-me acabar a vida fora de casa. Mas sinto que isto foi maravilhoso e isso deixa-me preparada para aceitar que vida é assim, não se pode durar para sempre.

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