Américo, 87 anos

Américo

87 anos

E ele respondeu que a nossa maior riqueza são as memórias.

Tenho um sintoma desde criança: boa-disposição. Tenho dias tristes, então, toda a gente tem, mas sempre que posso tento lembrar-me que andar aqui é um privilégio e alegro-me logo. Comecei o meu negócio de ferro velho aos 14. Uns anos depois, fiquei com uma taberna, fui taberneiro, não se nota? Também andei a ceifar no Alentejo, e cheguei a trabalhar nas caves do Bombarral. Fiz o que tinha de fazer, eramos muitos irmãos, a minha mãe doméstica e o meu pai agricultor, não dava para todos. Tive sorte, fui para a tropa e lá fui muito feliz porque pude estudar. Não posso mesmo dizer mal da minha vida, tive sucesso, consegui, em conjunto com a minha mulher, construir uma vida que não foi perdida, pelo contrário, foi uma vida fértil. Vou daqui num contexto bem diferente do que nasci, do nada para o que tenho agora. Não sou rico, mas consegui construir duas casas, não é pouco para mim que não tinha nenhuma. Tentei sempre não me esquecer de onde vim e de como estudar mudou tudo, por isso fazia por ajudar. De uma só vez ajudei 4 indivíduos sem aproveitamento a terminar a quarta classe, achei importante, fiquei muito satisfeito por terem sido todos aprovados. Realizei alguns desejos, por etapas, claro, mas consegui. A minha grande tristeza da vida foi ficar viúvo, tenho muitas saudades da minha mulher. O nosso segredo foi a lealdade total, vivemos uma vida um para outro e nunca largámos a nossa família, ajudámo-los no que pudemos. Tenho orgulho no que fiz, acho que por isso é que sou bem-disposto, não me esqueço que tive sorte, mas também nunca me furtei a estudar e trabalhar. É por isso que ando sempre a cantar, se não é o melhor remédio anda lá perto. Olhe, já lhe disse que fiz teatro?

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