Carminda, 85 anos

Carminda

85 anos

E ele respondeu que é preciso ter sempre alguma coisa nova que aprender.

«Esta luz tem radioterapia? Não? Ainda bem, já me deram muita dessa. Não se chateiem comigo, estou a brincar. Sabem, a juventude de hoje não se diverte. Acho eu. Eu se ficar em casa e não fizer nada é certinho que me vou abaixo. Temos de fazer sempre alguma coisa. Temos de querer sempre aprender qualquer coisa. Por exemplo, eu gostava de aprender acordeão. O meu marido diz-me que eu me queixo muito das costas para conseguir tocar, mas por acaso gostava. Isso ou piano. E do que gostava mesmo era renovar uma casita que comprei junto ao rio Mondego. Até já comprei muitos materiais, mas está lá por fazer. Não pensem que quero fazer uma coisa de luxo, queria só restaurar com cuidado, reconstruir uma coisa minha. Mas acho que vai ficar por fazer. Não tenho trator, nem forças. Nem o meu amor, ele já não está capaz. Estamos noutra altura. Gostava de fazer coisas em conjunto. Era esse o segredo do nosso casamento, decidirmos tudo juntos, um diz “é por ali” e o outro vai atrás. Não sei o que vai acontecer depois de irmos. Queria ir em paz. Queria ficar sem fios e sondas para comer, quando for para ir quero ir logo. Acho que a seguir não há nada, sabem porquê? Se houvesse o meu pai tinha vindo ver-me, tenho a certeza. E não veio, por isso não há nada. Isto começou há 81 anos e vai acabar em breve, pois acho que já não tenho muitos, mas quando for, vou. Não acredito nessas coisas da vida depois. Quando for, quero ir logo.»

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